O cão cantante da Nova Guiné (CCNG) é um raro canídeo vivendo nas regiões montanhosas da Nova Guiné quando em meio selvagem natural, sendo o maior predador terrestre dessa ilha. Esses cães produzem uma característica vocalização harmônica, descrita como um "uivo de lobo com harmônicos do canto de baleias". Por anos, biólogos conservacionistas têm concluído que o NGSD poderia estar extinto ou quase extinto no meio selvagem devido à perda de habitat e à invasão de linhagens caninas do continente e de cães de vilas próximas. Como possuem uma natureza tímida e uma tendência a viverem em altas altitudes - bem distante das vilas - os cães selvagens habitando as montanhas da Nova Guineia são raramente observados. Aliás, até 2016, esses cães haviam sido fotografados apenas duas vezes (1989 e 2012).
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No vídeo abaixo, é possível ver um espécime de cão cantante uivando:
Os cães da Oceania, populações únicas encontradas na Austrália, Nova Zelândia, e as nações insulares da Melanésia, Micronésia e Polinésia, são originários de populações caninas do Leste Asiático, com evidência arquelógica suportando a chegada desses cães há pelo menos 3,5 mil anos na região. No entanto, o tempo de dispersão do CCNG para a Nova Guiné permanece incerto devido à falta de evidência arqueológica na ilha. A primeira descrição do CCNG ocorreu em 1987, após um espécime ter sido localizado e coletado a cerca de 2100 metros de altitude, na Província Central. Apesar de similar ao dingo (Canis lupus dingo), esses cães representam uma população distinta, como evidenciado tanto por morfologia quanto por comportamento. Originalmente o CCNG havia sido classificado como uma espécie distinta (Canis hallstromi), e a sua taxonomia permanece controversa até hoje, em parte devido à disponibilidade apenas de espécimes capturados
Resultados de uma população fundadora muito pequena, não mais do que 200 a 300 cães NGSD permanecem vivos hoje em cativeiro, em grande parte procriados para propósitos de conservação.
Em 2016, uma expedição liderada pela Fundação dos Cães Selvagens Montanhosos da Nova Guineia (NGHWDF) (2), em colaboração com a Universidade da Papua, reportou a existência de 15 cães selvagens vivendo em alta altitude no lado ocidental da ilha da Nova Guiné próximo da Mina Grasberg. No entanto, apenas fotos e amostras fecais foram coletadas, insuficiente para uma análise genômica nuclear (DNA presente no núcleo da célula). Um estudo de campo subsequente conseguiu a coleta de amostras de sangue de três desses cães, assim como dados demográficos, morfológicos e comportamentais.
No novo estudo, os pesquisadores usaram as amostras de sangue coletadas para uma detalhada análise genômica nuclear desses espécimes selvagens, com o objetivo de determinar se tais cães representam a população original dos cães CCNG hoje em cativeiro. Os cães associados às amostras, morfologicamente, possuíam notável similaridade tanto com dingos quanto com o NGSD.
Nesse sentido, o genoma nuclear das amostras foi comparado com o genoma nuclear de 16 cães CCNG em cativeiro, 25 dingos e mais de 1000 cães de 161 linhagens caninas domesticadas. Os resultados da análise comparativa mostraram que os cães selvagens da Nova Guiné encontrados na expedição de 2018 e os cães cantantes possuíam um perfil genético quase idêntico. Ambos se mostraram próximo relacionados aos dingos, e um pouco mais distantes filogenicamente de outros cães com origem no Leste Asiático, como o Chow Chow, Akita e o Shiba Inu. Várias sequências genômicas são únicas nos cães cantantes em relação às outras linhagens caninas.
O estudo sugeriu que os cães cantantes da Nova Guiné representam uma população única e arcaica de cães, distinta de outros cães na ilha, e oriundos diretamente da mesma população ancestral cujos descendentes são representados pelos atuais cães selvagens presentes nas regiões montanhosas da Nova Guiné. Segundo os pesquisadores do novo estudo, esses cães selvagens e os cães CCNG em cativeiro são, essencialmente, a mesma linhagem canina, possuindo algumas diferenças genômicas devido à separação física entre esses cães por várias décadas e acasalamentos intra-populacionais entre os cães cantantes em cativeiro. Ou seja, os cães cantantes não estão extintos no meio selvagem.
Os pesquisadores também encontraram evidência de mínima introgressão no genoma dos cães selvagens da Nova Guiné, provavelmente de uma população ancestral às linhagens caninas modernas.
O novo achado pode beneficiar os esforços de conservação dos cães cantantes da Nova Guiné, onde espécimes selvagens podem ser introduzidos às populações em cativeiro, aumentando a variabilidade genética dos cães sendo procriados e o potencial de reintrodução no ambiente selvagem. Os dados genômicos podem também ajudar a esclarecer melhor o processo de domesticação dos cães a partir dos lobos cinzentos (Canis lupus).
Além disso, até o momento, os estudos sobre a expressão genômica da vocalização nos humanos têm sido conduzidos basicamente em aves. Como humanos são biologicamente mais próximo relacionados aos cães do que as aves, os cientistas podem agora vislumbrar melhor como a variabilidade de vocalização emerge nos mamíferos, incluindo nossa espécie, a partir de análises genômicas das populações naturais dos cães cantantes. Déficits vocais nos humanos também podem ser melhor entendidos, propiciando oportunidades para novos tratamentos.
(1) Publicação do estudo: PNAS
(2) Para mais informações, acesse: https://www.nghwdf.org/hwds
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