Segunda-feira, 3 de janeiro de 2011
O inferno são os outros 2 - A saga continua
Pense num cão latindo. Não, assim não! Mais alto e mais forte! Pense num cão desesperado. Feroz! Latindo. Pensou? Agora, multiplique o som que você imaginou (abstração) por cem! Conseguiu? Concebeu? Pois foi assim que ocorreu no prédio onde moro. De madrugada! A noite toda! Por quê? Simplesmente porque os donos do cachorro – que cachorrada! – viajaram. Enquanto eles se divertem em algum canto, nós fazemos uma vigília por aqui.
Não foi a primeira vez. Os vizinhos já protestaram antes. Como não gosto de confusão, evitei participar da pseudoassembleia que rolou pela manhã. Sei lá o que vai ocorrer com os (ir)responsáveis que deixaram o animal desesperado. Só sei que não foi possível dormir. Moro no 302. O cachorro do vizinho (com duplo sentido), no 401. Apelei para a música (fone estourando os tímpanos). Não resolveu! Liguei a TV. Não adiantou! Tentei ler. Não houve jeito! Estava determinado pelo cosmos que eu deveria ficar acordado.
Na portaria, ouvi o comentário da vizinha do 501:
- Coitado do cachorro!
Perguntei a ela:
- E eu? Você está com pena de mim também?
- Como assim?
- Você está mais triste pelo que aconteceu com o cachorro ou pelo fato de ninguém no prédio ter dormido?
- Meu filho, você já parou para pensar no sofrimento do bichinho?
- Minha filha, você já parou para pensar no sofrimento dos moradores?
- Como assim? (Juro que parecia provocação esse inferno de “como assim”)
Tentei, em vão, fazê-la enxergar o óbvio:
- O animal sofreu, mas os moradores sofreram mais, você não acha?
- Claro que não!
Após essa afirmação surpreendente, ela lançou mão de uma frase marcante. Fiquei estupefato com tanta profundidade. Não tive como estender o diálogo. Resoluta, firme e categórica, a vizinha defensora dos animais vomitou:
- A dor da angústia da saudade é maior do que a dor de uma noite mal dormida!
Como assim?
http://seilatipoassim.blogspot.com/2011_01_01_archive.html
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