segunda-feira, 8 de novembro de 2010

O CÃO E OS BOATOS



Os doberman têm uma fama que não os favorece nada. A crueldade que os caracterizaria tem dado lugar a muitas histórias que, no fundo, têm uma grande dose de lenda. Mas não se diz que não há fumo sem fogo?

Os boatos, sejam antigos ou modernos, circulem pela cidade ou pelo campo, apaixonam os sociólogos pelo seu fundo de verdade, como todas as lendas.
Quando Sally Rogers acabou de fazer as compras, voltou para o seu apartamento de Nova Iorque. Esperava que o seu doberman viesse fazer-lhe festas. Mas encontrou o cão com convulsões e ofegante, a ponto de sufocar. Assustada, correu ao veterinário.
Este decidiu praticar uma traqueotomia e ficou com o cão. Mas mal Rogers chegou ao seu apartamento, o telefone tocou. Era o veterinário: "saia já do apartamento," - disse-lhe. Está certamente um ladrão aí dentro.
E tinha razão, porque encontrara três dedos humanos na garganta do doberman.
Refugiada no apartamento de uns vizinhos, Sally chamou a polícia. Ao revistarem o apartamento, encontraram nas traseiras um jovem ladrão com uma mão ensanguentada, à qual faltavam três dedos.
Esta história do «doberman que sufoca», foi relatada em The Chocking Dobermann. Ao que parece, foi publicado pela primeira vez em Junho de 1981, no New Times, um jornal de Phoenix, Arizona. Depois chegou à Grã-Bretanha, onde o cão se converteu em pastor alemão, em boxer e até em terrier escocês. Propagou-se de boca em boca, como todos os boatos, sem que se pudesse determinar o que nele havia de verdadeiro.
A ideia, instalada no subconsciente, segundo a qual o doberman é um cão naturalmente violento e agressivo, foi objecto de um livro, The Choking Doberman, que teve um certo impacto nos Estados Unidos.

O folclorista norte-americano Jan Harold Brunvand, professor da universidade de Utah, estudou a fundo esta questão num livro intitulado The Choking Dobermann. E, segundo outro jornal note-americano, Globe, o nome do doberman era Tiger.

O ERRO TRÁGICO

Numa história muito parecida com esta, o cão chama-se Wagger e desta vez a mulher vive em casa do filho. No bairro deram vários roubos. De modo que numa noite, antes de se despedir, ele adverte-a: « Se algum intruso tentar entrar, só tens que dizer ao cão: "Wagger, agarra!"
Pouco depois, o cão agita-se, com o dorso eriçado. Então, ouve-se um ruído suspeito; alguém procura forçar a janela; aparecem uns dedos e depois salta lá para dentro um homem de cara tisnada.
"Wagger, agarra!" - grita a mãe. O cão ataca. E ela julga ouvir a voz do homem agonizante: Wagger, Wagger...
Horrorizada, a mãe apercebe-se , então, de que o «ladrão» era o seu próprio filho, morto pelo cão cuja eficácia queria comprovar.
Esta história parece-se com o tema do erro trágico que aparece periodicamente desde o século XVIII e que inspirou a Albert Camus a sua peça O Equivoco. J. H. Brunvand refere que há outros relatos, embora bastante diferentes, que se situam na mesma linha. Assim, o do automobilista atacado de noite por um bando de cães vadios e que consegue escapar. No dia seguinte, descobre quatro dedos humanos no ventilador do sistema de refrigeração do carro.

Outra história: uma mulher vai a correr para o andar de baixo para chamar a polícia. A vizinha recusa-se a abrir-lhe a porta, porque o seu marido acaba de entrar, gravemente ferido na mão.
O seguinte relato é mais risinho. Em Nova Iorque, três mulheres estão num elevador, quando chega um negro com um cão.
"Sente-se", - ordena. As três mulheres sentam-se. E então o homem explica-lhes: "Estava a falar para o meu cão.
Depois, elas perguntaram-lhe se conhecia algum bom restaurante; ele deu-lhes uma direcção e elas foram para lá. Na altura de pagar, o empregado informou-as de que a conta já tinha sido paga por Reggie Jackson, o célebre campeão de basebol... o homem do elevador.
Refira-se que o cão era um doberman. Interrogado sobre esta história, R. Jackson desmentiu-a; segundo ele, seria cruel ter um cão em Nova Iorque.

DESDE A IDADE MÉDIA ATÉ AOS NOSSOS DIAS
Há várias lendas medievais que falam de um senhor que deixa o seu filho sozinho em casa, guardado pelo cão. Quando regressa, ao ver sangue em volta do berço julga que o cão matou a criança e manda matá-lo... Depois apercebe-se do seu erro. O corpo de uma grande serpente jaz próximo do berço; o réptil pretendia atacar o bebé e o cão matara-o.

No País de Gales ainda se pode ver o túmulo do lebréu Gelert, morto em circunstâncias semelhantes pelo seu dono, o príncipe Llewelyn. Uma história comparável a esta do lebrel Guinefort, em França; este cão chegou a ser «canonizado» e venerado durante séculos, na região de La Dombes, porque tinha fama de curar as cianças.

J. H. Brunvand considera que se pode fazer uma genealogia dessas diferentes histórias. As lendas que acabamos de citar são o ponto de partida, juntamente com histórias de intrusos que acabam com feridas nas mãos. Esta é a fase mágica e sobrenatural. Depois vem a fase racionalista, com o ladrão ferido e os dedos cortados. Seguidamente, chega-se à época actual, com o doberman que sufoca e a variante de Wagger. Então intervêm elementos modernos: a insegurança da cidade, o telefone, a polícia, o veterinário. Mas os mitos continuam a ser os mesmos.
Vale a pena estabelecer a genealogia dos nomes: São Guinefort converteu-se em São Guy-le-Fort, que deu Gelert, porventura a origem de Tiger e de Wagger. Mais precisamente, to wag sigifica agitar, como o antigo verbo guigner, do qual teria derivado Guinefort.
Continua a haver um problema: poderá um cão grande cortar dedos com uma dentada?

A HISTÓRIA DO CÃO RATAZANA

Há muitos outros boatos contemporrâneos em que aparecem cães. Assim, o da ratazana gigante e do gato, que açambarcou a crónica de sucessos dos últimos anos, tanto na Europa como nos Estados Unidos.Também é conhecido como o do cão ratazana ou do cãozinho mexicano (mexican pet).
Segundo se conta, numa viagem à América do Sul, uma senhora reparou numa espécie de cão hirsuto que a seguia. Adoptou-o e levou-o para casa. Ora, a senhora tinha uma gato persa, que deixou só com o recém-chegado. Quando voltou, o cão tinha matado e devorado o gato. Transtornada levou o culpado ao veterinário, que exclamou: "o que a senhora aí traz não é um cão, é uma ratazana enorme.
E fez-lhe a eutanásia. É certo que na América do Sul existem grandes roedores mas seriam incapazes de matar um gato.

Actualmente, circulam mais boatos. Assim, uma senhora mete o cão no micro-ondas para o secar e ele morre. Outra história trágica: um par de turistas suiços visita Hong Kong com seu cãozinho. No restaurante, pedem ao criado que dê de comer ao cão. Para se fazer entender, mostram o cão e apontam para a boca. O criado que interpreta erradamente esse gesto, volta pouco depois com o cão num estado fácil de imaginar.

Finalmente, uma história que tem lugar em plena Natureza dos Estados Unidos. Um campista encontra um coiote ferido. Como detesta esta espécie ata ao animal um cartucho de dinamite para o fazer saltar pelos ares, e depois vai para a sua tenda. Mas vê, pasmado que o coiote se aproxima dele. A explosão destrói a tenda.


Fonte:
http://bandarravet.blogspot.com/2009/02/o-cao-e-os-boatos.html

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